O que um general do exército durante uma guerra e um executivo em tempos de crise têm em comum? Guardadas as devidas proporções – e sem contar as características de liderança -, ambos precisam negociar o tempo todo.
Mesmos nestes casos, a negociação não pode assumir ares de cabo de guerra. Pelo menos, foi o que os oficiais americanos mais habilidosos neste sentido aprenderam com o passar dos anos, segundo artigo publicado na Harvard Business Review há algum tempo.
Todas as estratégias usadas por eles, de acordo com o estudo, confluem para o mesmo ponto: colaboração. Sim, isso mesmo. Apesar de em lados opostos da mesa, estes negociadores descobriram que o inimigo era o problema – não quem estava do lado de lá.
“Negociar é a arte de somar diferenças”, afirma Renato Hirata, professor da HSM Educação. “Você tem que estar pronto para se desarmar e desamar os outros”. Para que isso aconteça, explica o especialista, não dá para chegar ao processo com coisas prontas e propostas fechadas.
Afinal, a ideia de colaboração pressupõe exatamente abertura para que o outro também participe da construção do acordo. Sem este espaço, volta-se para o cenário de cabo de guerra, onde cada um puxa a corda para um lado e não se vai a nenhum lugar.
É neste ponto que reside o problema de negociações em tempos de crise. “Em um cenário de incerteza, as pessoas têm medo e só conseguem pensar em não perder, diz Hirata. “Quando se está neste processo de ‘não perder’, você não enxerga o que quer ganhar”. Se ambos lados estão nesta situação, chega-se a um impasse.
Pensando nisso e nas estratégias dos melhores negociadores do exército americano, conversamos com especialistas para saber quais os caminhos para desatar o nó da negociação em tempos adversos. Confira:
Antes
Tenha cartas na manga
O primeiro passo em falso em uma negociação é chegar à discussão sem cartas na manga. Quando, na sua cabeça, é tudo ou nada, as chances de se ver encurralado e aceitar qualquer coisa são maiores.
Por isso, na teoria da negociação, criou-se o conceito BATNA, que é uma sigla em inglês para a ideia de “melhor alternativa para um acordo negociado”.
Na prática, isso significa que você só deve encarar uma negociação quando tiver, no bolso, outras possibilidades ou rotas de escape.
Um exemplo clássico disso é o hábito de pechinchar. Ao comparar os preços de produtos em várias lojas, você não cede ao proposto pelo vendedor logo de cara e tem mais argumentos para fechar a compra de uma maneira vantajosa.
O ponto é que a maior parte das pessoas foi treinada a resolver problemas com base em equações prontas e não a formulá-las por conta própria.
Uma conversa para chegar a um consenso exige uma mentalidade oposta: “quando a gente equaciona o problema, entendemos que há alternativas para solucioná-lo”, diz Hirata.
É o que, segundo ele, os americanos chamam de “mudar o frame”, ou seja, mudar a maneira como você enquadra a situação.
No campo de batalha afegão, a pesquisa diz, os oficiais americanos buscavam entender o quadro geral em que o caso estava inserido antes de fazer qualquer movimentação.
O mesmo vale para a negociação corporativa. Se a ideia é pedir um aumento, por exemplo, vale dar um passo para trás, desfocar do umbigo e olhar todo o quadro – não só as necessidades da sua conta bancária.
Neste caso, por exemplo, vale questionar: qual a situação financeira da empresa? E do mercado em que está inserida? E o que falar sobre seus resultados?
Defina um espectro para negociar
Tenha claro quais são os seus limites para um acordo. Lembre-se: a negociação é como um pêndulo que oscila entre criar ou reivindicar valor, como explica o professor Marcos Citeli, do ISE Business School.
Em outros termos, você precisa saber até que ponto pode ceder e lutar ou quanto quer aceitar – seja para mais ou menos.
“Na negociação, a ideia é conseguir encontrar o mínimo e o máximo que agrade aos dois”, afirma o especialista. Por isso, segundo ele, é importante criar uma estratégia de concessões que defina, a priori, até onde você irá ceder.
Durante
Estabeleça uma relação de confiança
A postura que você assume durante o processo pode ser decisiva para o resultado final do debate. Por isso, nada de punhos fechados, cara amarrada e a sensação de que você está em um ringue de MMA.
Ao escolher o tom de voz adequado, as atitudes gentis e as perguntas que demonstram interesse pela visão do outro lado, você está, indiretamente, contando para o outro que o encara como um parceiro – não um inimigo.
“A pessoa muda a forma como se comporta com você porque não o vê mais como uma ameça”, diz Hirata.
Revele-se aos poucos
O termo agenda oculta é caro às negociações porque na base dele estão as intenções que moldam os bastidores do acordo. “O que é colocado na mesa é apenas a ponta do iceberg”, diz o especialista. E o seu papel é tentar desvendar o que está submerso.
Como? Questionando e revelando-se. “A gente tem que trabalhar a reciprocidade”, diz. Para desvendar o que o outro esconde, você tem que destrancar seus próprios cadeados. Ou seja: revelar, aos poucos, também a sua agenda oculta.
Ancore um bom valor
Cuidado para, na hora de fazer sua proposta, não começar muito por baixo. “Se seu limite mínimo é 1 500, estará frito se começar por aí”, diz Citeli.
A dica é iniciar o processo de acordo em um ponto razoável para ambos os lados. “Se meu mínimo é 1 milhão e o máximo do comprador é 2 milhões, comece com 1,9 milhão”, exemplifica o professor. “Por isso, é importante saber os limites do outro lado”.
O processo de negociação, como se vê, não pressupõe apenas que se exerça influência sobre o outro, mas também exige que você se deixe influenciar.
O resultado disso é que, mais cedo ou mais tarde, você terá que tomar uma decisão. Para minimizar as perdas, a dica é mensurar os riscos.
Como? Analisando o passado. “Na teoria estatística, você não olha para frente, você olha para o passado. Ao olhar outras experiências, você consegue entender qual é a tendência que traz um risco menor”, diz Hirata.
Fonte: Revista Exame
Link: http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/como-fazer-boas-negociacoes-mesmo-em-tempos-de-crise?page=3
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