Representantes do setor elétrico acompanham atentos a uma articulação em curso no Congresso, capitaneada principalmente por partidos do Centrão, cujo fim seria beneficiar a construção de uma rede de gasodutos, o que poderia encarecer a conta de luz ou drenar recursos do pré-sal para bancar as obras.
Segundo essas fontes, a ideia é incluir um “jabuti” — emendas sem relação com a matéria em tramitação — no projeto 414/2021, que prevê a modernização do setor elétrico. O principal beneficiário da medida seria o empresário Carlos Suarez, um dos expoentes do segmento de distribuição de gás no Brasil.
De acordo com reportagem publicada nesta terça-feira pelo jornal “O Estado de São Paulo”, para atender a Suarez e seus sócios, hoje os únicos com autorizações para distribuir gás em estados do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste, o Centrão quer quitar as obras com recursos do pré-sal.
Assim, R$ 100 bilhões da PPSA, que teriam como destino inicial o Tesouro Nacional, seriam redirecionados para bancar o custo das obras. Estes recursos seriam destinados ao Brasduto, um fundo público para a expansão de gasodutos.
O projeto de lei que visa a modernização do setor conta com apoio interno, mas o jogo político para permitir a votação do texto prevê as discussões sobre a inclusão de uma emenda que viabilizaria as termelétricas que vieram de maneira mandatória para o sistema, por meio da lei que liberou a privatização da Eletrobras.
De acordo com estas articulações, ainda ocorrendo de forma reservada no Congresso, o projeto teria sua urgência aceita de forma célere. E, pelo plano, imediatamente, apresentada uma nova redação do projeto, com a expectativa de rápida aprovação pelos parlamentares.
A avaliação de Bernardo Bezerra, diretor de inovação, produtos e regulatório da Omega Energia, é de que a grande discussão do setor elétrico, agora, seria como reverter essa obrigatoriedade das térmicas que entrou no pacote da Eletrobras, e não a inclusão eventual de um jabuti como esse.
“O setor elétrico deveria estar discutindo como consegue reverter essa decisão que foi a moeda de troca da capitalização da Eletrobras. Como a gente reconhece que foi errada essa discussão das térmicas e como vamos reverter isso, porque vai aumentar a tarifa do consumidor. Você vai criar uma bomba tarifária.”
‘Emenda invisível’
Procurado pelo GLOBO, o relator do projeto, deputado Fernando Coelho Filho (União Brasil-PE), nega que exista essa articulação. Ele afirmou que não concorda com esse movimento e não acataria uma emenda nesse sentido.
“Não estou sabendo de nenhuma emenda e, caso tenha, não será acatada”, disse Coelho.
No entanto, dois parlamentares que pediram para não se identificar confirmaram que, de fato, a ideia tem sido discutida nos bastidores, mas é vista com poucas chances de sucesso. Até o momento não foi apresentada efetivamente a minuta do trecho.
A avaliação é que o aumento na conta de luz atrapalhou esse plano. Além disso, o tema já enfrentou diversos reveses no passado por ser considerado polêmico.
De acordo com pessoas próximas a Coelho Filho, ele se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na última quarta-feira. O encontro ocorreu antes de Lira viajar aos EUA para tratar justamente da tramitação do PL 414, que ganharia celeridade a partir da próxima semana. Ambos negam ter discutido a inclusão de um jabuti na matéria.
“Essa conversa não houve, e não estou comentando mérito, se é bom [sic] ou ruim a matéria”, respondeu Lira, ao ser questionado pelo GLOBO.
Ele não respondeu se a questão deve entrar em debate a partir da segunda quinzena deste mês.
O projeto que moderniza o setor elétrico é bem visto no Congresso e também por grandes entidades. O deputado Paulo Ganime (Novo-RJ) disse que esse texto é importante, porque vai modernizar o setor elétrico e trazer mais liberdade para o consumidor, além de baratear a conta de luz.
“O que a gente não pode aceitar é que um projeto importante e positivo como esse seja alvo de tentativas não republicanas e absurdas que estão sendo feitas por pessoas com interesses exclusivos. É um projeto para o país e não para atender o interesse individual de alguém. A gente vai lutar muito contra isso e esse é o caso do Brasduto. Caso ele entre nesse projeto, vai ser um grande jabuti contra a população, encarecendo a conta de luz, que é um objetivo contrário a esse projeto” afirmou.
Cartas ao Congresso
Em carta ao presidente da Câmara dos Deputados, o Fórum das Associações do Setor Elétrico (FASE), organização que representa 27 associações setoriais, alertou o parlamentar sobre os riscos de outro projeto, que trata de reajustes na tarifa de energia, e defendeu o texto do PLP 414/2021. “A aprovação desse Projeto de Lei sim, poderá reduzir, de forma estrutural, os custos com energia para todos os brasileiros”, diz o texto.
O presidente do FASE, Mario Menel, diz que a carta enviada a Lira e a Coelho foi feita de forma “preventiva”, para evitar a materialização da emenda:
“Mandamos essa carta dizendo que eles têm em mãos essa oportunidade de modernizar o setor, mas pode se transformar em ameaça porque se isso for mais um curso a ser pendurado no setor elétrico, ele se torna ainda mais impagável.”
A Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) também vê essa possibilidade com preocupação. Segundo a entidade, forçar o mercado de gás com métodos não competitivos por meio de subsídios, como foi feito recentemente na lei 14.182/21, com a inclusão dos jabutis da Eletrobras, não é o caminho.
“Não faz sentido criar uma infraestrutura de gás e todo o seu custo para regiões exportadoras de energia, construir térmicas e aí ter que enviar a energia aos centros de consumo. São três custos: o do gasoduto, da térmica e da linha de transmissão”.
Há quem defenda a obrigatoriedade da construção de usinas termelétricas que funcionariam de forma ininterrupta, as chamadas “térmicas inflexíveis” e que seriam localizadas pelo interior do Brasil para custear, na tarifa de energia elétrica, o investimento na construção de gasodutos, viabilizando projetos de transporte e distribuição de gás, que hoje não passam de registros em cartórios.
Para a Abrace, isso seria mais um peso na tarifa de energia, hoje “afundada em custos invisíveis e evitáveis”.
“Esse modelo tenta vender a ideia que o grande benefício que o gás pode trazer para o Brasil é a universalização dos tubos que o transportam e não dos seus benefícios para a sociedade: energia mais barata, preços mais competitivos para a produção.
Em outras palavras, trocamos a expansão das energias eólica e solar pela geração a gás, sem uma escolha por mérito e sem competição entre as fontes e em um cenário onde a expansão de geração não se justifica ainda”.
Esta não é a primeira vez que parlamentares tentam direcionar recursos do pré-sal para gasodutos. Em setembro de 2020 foi aprovado um projeto que destina 20% dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal para a construção destas estrtutas, mas essa nova destinação foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Entretanto, muitos acreditam que o clima político é outro e essa proposta pode ter mais chance de virar lei atualmente.
Fonte: O Globo
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