BEATRIZ IOLANDA

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CRISE DENTRO DA CRISE: pandemia, depressão econômica e desemprego


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A precarização do mercado de trabalho e o aumento do custo dos alimentos durante a pandemia não são consequência apenas da crise sanitária mundial, mas também estão relacionados com o projeto econômico e político implementado após 2016.

A constatação é do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que alerta para o aprofundamento da depressão brasileira em Boletim de Conjuntura para o Dia do Trabalhador, 1º de maio.

No mercado de trabalho, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PnadC/IBGE), havia inclusive sinais de piora antes do início da pandemia. “A partir da implementação das reformas trabalhista, previdenciária e do teto de gastos, medidas defendidas pelo governo e apoiadores como solução para a economia brasileira, os problemas se intensificaram, assinala o Dieese.

Sete anos de recessão e estagnação

No final de 2020, nove meses após o começo da crise sanitária, 13,9% da força de trabalho não tinham ocupação

No final de 2020, nove meses após o começo da crise sanitária, 13,9% da força de trabalho não tinham ocupação

Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil

“Essa crise que o Brasil vive e que impacta principalmente nos trabalhadores é a mais grave dos últimos 40 anos. A confluência de fatores nesse momento é algo inusitado, porque combina uma brutal crise do capitalismo internacional, possivelmente a mais grave da história desde 1929, cuja “solução” foi a Segunda Guerra, com uma crise econômica brasileira que é de longa duração. Estamos no sétimo ano seguido de recessão ou estagnação. Nesse período, ou a economia regrediu como em 2015 e 2016, ou ficou estagnada, com crescimento de 1%. O prejuízo para os trabalhadores é muito grande”, avalia José Álvaro de Lima Cardoso, economista e supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina.

Um dos aspectos que atinge em cheio a renda da massa dos trabalhadores, destaca, é o fato de que, nessas condições, a economia não cresce, mas a população continua crescendo. Isso joga para baixo a renda per capita. “No ano passado, por exemplo, o PIB caiu 4,2% depois de um período de cinco ano de estagnação ou recessão. E sem perspectiva de virada, porque esse é disparado o pior governo que o Brasil já teve depois de um período de ganhos nos governos Lula e Dilma. Os trabalhadores chegam ao seu dia numa condição das mais horríveis possível”, constata.

Reforma trabalhista, promessa não cumprida  

"Os trabalhadores chegam ao seu dia numa condição das mais horríveis possível”, avalia o economista José Álvaro Cardoso, do Dieese em Santa Catarina

“Os trabalhadores chegam ao seu dia numa condição das mais horríveis possível”, avalia o economista José Álvaro Cardoso, do Dieese em Santa Catarina. Foto: Fecesc/ Divulgação

A reforma trabalhista, que passou a valer em novembro de 2017, prometia a melhora do ambiente de negócios e a geração de milhões de empregos formais, inclusive por meio da criação dos contratos intermitentes.

Bem diferente da promessa, o que se assistiu a partir de então foi o aumento do desemprego e da informalidade, queda da renda do trabalho e um movimento de precarização generalizada.

Em relação aos preços, o descontrole ocorre devido a diversas medidas executadas desde 2016, como: a redução dos estoques reguladores da Conab (Companhia Nacional de Abastecimentos); o fim do subsídio do gás e da política de valorização do salário mínimo; e o aumento das exportações de alimentos.

“A situação econômica do Brasil já era grave. A pandemia veio complicar o quadro. Nas próximas páginas são abordados a ocupação, a informalidade, o trabalho intermitente, os rendimentos, o movimento da força de trabalho, o fim da política de valorização do salário mínimo, o esvaziamento dos estoques reguladores de alimentos, os preços dos combustíveis e gás e a carestia dos produtos básicos de alimentação”.

Desalento e subocupação crescem

Mutirão de emprego do sindicato dos comerciários de São Paulo: 2020 chegou ao fim com 8,4 milhões de desempregados a mais que em 2019

Mutirão de emprego do sindicato dos comerciários de São Paulo: 2020 chegou ao fim com 8,4 milhões de desempregados a mais que em 2019. Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil

Quando a reforma trabalhista passou a vigorar, no quarto trimestre de 2017, a taxa de desocupação estava em 11,8%. Dois anos depois, nos últimos três meses de 2019, pouco antes do início da pandemia, o desemprego tinha caído apenas 0,8 ponto percentual. No final de 2020, nove meses após o começo da crise sanitária, 13,9% da força de trabalho não tinham ocupação.

“Houve redução de 635 mil no número de desempregados entre o quarto trimestre de 2017 e o mesmo período de 2019. No entanto, no mesmo intervalo de tempo, o número de desalentados e de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas mais que compensou esse número: aumentou em 681 mil pessoas. Em 2020, o número de desocupados, desalentados e subocupados cresceu 3,5 milhões”, destaca.

Empurrados para a informalidade

No quarto trimestre de 2019, havia 3,5 milhões de ocupados a mais do que no mesmo período de 2017. O aumento foi puxado principalmente pela informalidade. A quantidade de trabalhadores informais cresceu 5,1%, enquanto a de formais subiu apenas 1,6%, reflexo da reforma trabalhista. Já 2020 chegou ao fim com 8,4 milhões de ocupados a menos do que em 2019.

De acordo com o estudo, “a queda no número de trabalhadores formais foi inferior à de informais, que não contaram com nenhum mecanismo para garantir estabilidade no trabalho ou com os incentivos econômicos das políticas de preservação de emprego e crédito – como o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (Bem) e o Programa Nacional de Apoio às Microempresas (Pronampe)”.

Baixo rendimento médio do trabalho

Infográfico: Dieese

O rendimento médio do trabalho cresceu somente R$ 41,00 entre os quartos trimestres de 2017 e 2019.

Enquanto os trabalhadores formais viram a renda aumentar 1,4% nesse período, os informais tiveram ganho maior, de 5,8%.

Antes da pandemia, entretanto, o rendimento dos informais (R$ 1.479) era, em média, metade do recebido pelos formais (R$ 2.950).

Em 2020, após o início crise do coronavírus, a massa de rendimentos mensal do trabalho caiu 6%, passando de R$ 217,8 bilhões para R$ 204,9 bilhões, o que significa R$ 13 bilhões a menos no bolso dos trabalhadores, todos os meses, e um menor volume de renda disponível para o consumo, o que dificulta a retomada do crescimento econômico.

Intermitentes fora do mercado

Com a reforma trabalhista, foram criados milhares de contratos intermitentes. Muitos nunca saíram da gaveta.

Nessa modalidade, o trabalhador fica à disposição do empregador, aguardando, sem remuneração, ser chamado para trabalhar. Entre os intermitentes admitidos em 2019 e ativos até o final do ano, 22% não trabalharam nenhuma vez.

A remuneração mensal média dos que conseguiram trabalhar, no fim de 2019, foi de R$ 637,00 equivalente a 64% do valor do salário mínimo. Em 2020, houve aumento de 96 mil vínculos intermitentes. Estima-se que o estoque de intermitentes tenha chegado a 230 mil, 0,48% do total de vínculos formais no país. “O número refletido nas estatísticas pouquíssimo impacto tem na vida dos trabalhadores”, destaca o Dieese.


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Quase 9 milhões sem renda, trabalho ou perspectiva

O servidor público Carlos D'Avila, de Porto Alegre, ajuda quem está procurando emprego recebendo e distribuindo currículos na capital gaúcha

O servidor público Carlos D’Avila, de Porto Alegre, ajuda quem está procurando emprego recebendo e distribuindo currículos na capital gaúcha. Foto: Arquivo Pessoal

A força de trabalho (ocupados e desempregados) cresceu 2,1% entre o quarto trimestre de 2017 e o quarto trimestre de 2019.

No segundo trimestre de 2020, durante a pandemia de covid-19, muitos trabalhadores perderam as ocupações. A falta de perspectiva, a possibilidade de contaminação e a necessidade de isolamento social fizeram com que parte dessa população deixasse a força de trabalho, ou seja, muitos desses trabalhadores não saíram em busca de uma nova colocação. São 8,9 milhões de pessoas sem trabalho e renda, sem procurar ocupação.

Crescendo a força de trabalho, haverá pressão sobre a taxa de desemprego.

A avaliação de conjuntura destaca que a política de valorização do salário vigorou entre 2004 e 2018, cumprindo importante e necessário papel na distribuição de renda no país.

“Após a decretação do fim da política, o piso mínimo brasileiro começou a ser reajustado pela inflação oficial, mas, a partir de 2020, ficou até mesmo abaixo deste índice. Com o aumento dos preços dos alimentos no último ano, o salário mínimo perdeu poder de compra”.

Em algumas das 17 capitais brasileiras, conforme a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos do Dieese, mais da metade do salário mínimo em vigor tem sido gasto com a compra dos alimentos essenciais necessários para uma pessoa adulta durante um mês.

Fim do subsídio do gás de cozinha

Em 15 de outubro de 2016, a direção da Petrobras mudou a política de preços da empresa. Os valores dos combustíveis passaram a acompanhar os movimentos dos preços no mercado internacional. A partir daí, os brasileiros começaram a sentir no bolso as oscilações que ocorrem no exterior.

Em 2018, uma forte alta nos preços provocou reclamações de toda a sociedade e uma greve dos caminhoneiros que paralisou o país inteiro durante 10 dias. A questão também tem sido abordada constantemente pelos petroleiros.


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Em 2019, uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética colocou fim à política do subsídio do gás de cozinha praticada pela Petrobras, um bem considerado essencial para as famílias brasileiras.

Infográfico: Dieese

Com o alto desemprego e a queda da renda, muitas famílias ficaram sem recursos para comprar, ao mesmo tempo, alimentos e gás e se viram obrigadas a usar lenha ou carvão para cozinhar.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 14 milhões de famílias usavam lenha ou carvão em 2019 (cerca de 3 milhões a mais do que em 2016). O número significa que uma a cada cinco famílias brasileiras cozinhava com carvão ou lenha.

Extinção dos estoques reguladores de alimentos

Infográfico: Dieese

Os estoques públicos de alimentos vêm passando por redução anual desde 2016. Produtos essenciais como arroz, feijão, leite, entre outros, não têm sido aprovisionados. A medida é resultado de uma política que retira o estado da função de balizar preços e garantir a soberania alimentar, deixando como responsáveis pela regulação a lei da oferta e da procura do mercado e as oscilações do câmbio.


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Em 2019, foram fechados 27 armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ligada ao Ministério da Agricultura. Recentemente, o governo anunciou a realização de leilões para vender esses espaços. A Conab, além de responsável pelos estoques, é a principal compradora de produtos da agricultura familiar.

“É recomendável que os países tenham ao menos seis meses de estoques reguladores para que não fiquem à mercê de intempéries, oscilações cambiais ou da queda na oferta de determinado produto no mercado internacional”, observam os pesquisadores.

Infográfico: Dieese

Fome, opção de governo

A drástica redução das políticas de fortalecimento da agricultura familiar, responsável pela produção de mais de 70% dos alimentos consumidos no país, e o crescimento da exportação de itens alimentícios como arroz, carne bovina, óleo e grão de soja, milho, café e açúcar, impulsionado pela desvalorização do real diante do dólar, tiveram impactos na oferta desses produtos no Brasil em 2020.

“Em plena crise sanitária mundial, enquanto todos os países estocam alimentos, como itens de segurança nacional, o governo brasileiro fragiliza a produção nativa, abre as fronteiras para a exportação de grande parte das commodities aqui produzidas e esvazia os estoques públicos reguladores, como descrito na página anterior. Com a oferta interna reduzida, a população teve que enfrentar sucessivas altas nos preços dos alimentos nas prateleiras dos supermercados”, conclui.


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Fonte:
*Com informações do Dieese e PnadC/IBGE.