O começo de uma conversa com herdeiros é sempre parecido. Alguns ganham carros de luxo assim que os pedem – sem precisar vender o anterior –, outros têm de fazer pequenos trabalhos desde criança em troca da mesada. Uns são preparados para gerir o negócio da família, outros para fazer parte do conselho, outros ainda para… viver de gordas mesadas.
“A zona de conforto do jovem herdeiro dificulta que ele tenha um caminho próprio”, diz Eleusa Garcia Melgaço, presidente do Family Business Network (FBN), entidade que apoia o desenvolvimento de famílias de empreendedores – e ela mesma uma herdeira, do grupo Algar. Tanta facilidade pode tolher a iniciativa. Alguns herdeiros, no entanto, buscam carreiras independentes ou tratam de empreender. Quando isso acontece, eles em geral contam com as vantagens de ter bons contatos, exemplos de sucesso dentro de casa e condições de obter o melhor preparo possível. Mas o principal é a força de espírito – e entender o que os move é valioso para qualquer pai ou mãe que almeje criar filhos independentes.
A seguir, sete exemplos de herdeiros que resolveram seguir seu caminho próprio.
Os dois gestores eram tão novos – ambos com 21 anos – que, no primeiro ano, Claudio saía da faculdade, comia uma coxinha e ia trabalhar. “A gente ia vender o fundo e todo mundo ficava esperando alguém de cabelo branco”, diz. Não saía do escritório antes das 8 e engordou 15 quilos. “Morríamos de medo de fazer besteira. Se perdêssemos dinheiro, podíamos esquecer nosso nome e, de certa maneira, o futuro.” Pois o Vivá não só deu certo, como pagou aos investidores – família e amigos, em sua maioria – 120% do CDI.No fim de 2012, foi vendido à GRP Gestão de Recursos. “Mais que o retorno, o que valeu foi sair da zona de conforto e aprender”, diz. Assim que o processo de venda começou, Claudio perguntou ao avô se podia trabalhar na Líder. “Ele olhou para mim e falou: ‘Não!’”, afirma, rindo de novo. “Eu argumentei que já tinha mostrado capacidade, mas ele falou que eu era muito jovem e a empresa, profissionalizada.”
Após muita insistência, Claudio convenceu o avô a deixá-lo participar da seleção de trainees, “desde que omitisse o sobrenome”. Ao lado de 4,7 mil candidatos, disputou sete vagas. Passou por seis fases, anônimo. Na sétima, o avô deu o braço a torcer: ele está na empresa desde o início do ano, aprendendo em várias áreas e estudando para o MBA. “Foi ótimo ter começado aos 21, mas, para falar a verdade, eu sentia falta de um chefe. Muitas vezes, quis alguém experiente para perguntar: ‘e agora? O que faço?’. Voltar a ser empregado foi um alívio que, depois, vai me ajudar a dar dois passos à frente.”
Exemplo 02: Quando era criança, Guilherme Rossi Cuppoloni ia trabalhar com o pai praticamente todas as semanas. Nas férias, então, ia quase todo dia à holding que controlava a Rossi Construtora e a Engemix. “Meu pai sempre foi o chefão e, quando eu era moleque, ele tinha um monte de empresas”, diz. “Adorava ir lá, sentar naquela cadeirona e ficar olhando tudo. Eu queria ser igual a ele.” Aos 33 anos, com a GR Properties, empresa que fundou há cinco anos, Guilherme já gerou em negócios sete vezes o valor que deverá herdar da empresa do pai.
Dinheiro fácil nunca foi rotina enquanto Guilherme era criança. Ele e os cinco irmãos – ele é trigêmeo – tinham uma conta gráfica em dólares. O pai só creditava o dinheiro que seria usado em viagens, nas férias, caso atingissem boas notas. Durante a faculdade de administração na FGV, Guilherme estagiou em dois bancos e até pensou em ser empregado. “Foi legal para aprender, não pelo trabalho em si, mas pelo conceito do que é trabalho: ter chefe, chegar cedo, entregar tarefas…”, diz. “Achei um saco. Já tinha carro – pedi uma BMW nova e meu pai me deu, porque eu era bom aluno – e minha mesada era muito, mas muito maior que meu salário. Eu lá, todo bonitão, não combinava.”
Num processo de seleção para trainee em outro banco, a ficha caiu de maneira definitiva. “Perguntaram o que eu faria se me tornasse analista e precisasse falar mal da empresa do meu pai. Aí percebi: se eu não for trabalhar com ele, ninguém vai me empregar de verdade.” Depois da faculdade, Guilherme ficou na Rossi por cinco anos. Criou departamentos, aprendeu a comprar terrenos e avaliar retornos. Então percebeu que, com a tendência de queda nos juros, havia oportunidade de atuar numa área coligada à construção imobiliária chamada properties – aquela em que construtoras erguem galpões, shoppings, escritórios e lojas, sobretudo para alugar. O pai, porém, não comprou a ideia. E Guilherme decidiu montar a própria empresa.
Com o suporte financeiro inicial do pai, fundou a GR Properties. Também se tornou sócio do irmão Eduardo na GRE Realty, uma empresa de fundos imobiliários. “Tudo o que eu ganho, reinvisto. Mas, teoricamente, meu retorno é maior que o de qualquer empregado ou do que se eu fosse diretor da empresa do meu pai”, diz. “Além disso, acordar todo dia e fazer o que quiser – ou não fazer nada – não tem preço. Trabalho muito, mas acho que lá pelos 40 anos estarei bem tranquilo.”
Alexandre começou a trabalhar aos 12 e, sem ter saído de Sorocaba (SP), criou o grupo do qual saíram Claro, Vivo e a certificadora digital Valid. Cássio começou a trabalhar aos 15 numa das empresas do grupo, a SpliceNet. “Montei um site com aulas e conhecimentos gerais”, diz. “Só que a parte de fotos de balada fez muito sucesso.” Ou seja: adolescente, criou um produto de internet que poderia pagar seu colégio “e ainda sobrava dinheiro”. Sua meta, à época, era chegar aos 25 com independência financeira. “Virei workaholic: estudava fundamentos das empresas, lia balanços e aplicava na bolsa.” O site depois foi vendido por R$ 150 mil, um dinheirão para quem sequer tinha chegado ao ensino médio. O avô interveio. “Ele disse que eu não precisava repetir sua história: deveria aproveitar e estudar.”
Cássio foi à Suíça. Queria aprender quatro línguas, se preparar para a globalização e trabalhar na área internacional do grupo. “O problema é que, quando voltei, não havia mais negócio.” A empresa havia sido vendida. “Meu avô era dono da Tele Centro Oeste e nunca pisou na sede, que ficava em Brasília”, diz Cássio. “Para ele, investimento era investimento e não havia por que se apegar. Aprendi com isso.”A Mint baseia sua estratégia na teoria das finanças comportamentais: tenta evitar que aspectos emocionais interfiram no investimento. “Temos fundamentos bem determinados, mas, quando o mercado está derretendo, eu sofro”, diz Cássio. “Fecho a tela do computador e vou fazer outra coisa.” Para gerir o fundo, Cássio seguiu o roteiro que traçou quando voltou da Suíça: formou-se em administração, fez cursos no exterior e estagiou em bancos variados, como no private banking do Santander, em Genebra, e no Itaú Unibanco, entre outros.
“Meu avô dizia que só pode ser empresário quem foi empregado.” Outro exemplo do estrategista Cássio está na sede do Mint. Ela não fica na Faria Lima, o centro financeiro do país. Funciona num pequeno sobrado, numa vila sem saída, no bairro dos Jardins. Suas paredes abrigam exposições; algumas salas, debates culturais e filosóficos – e a empresa nasceu fazendo filantropia. “Queremos fugir do estereótipo de que para ser bem-sucedido no mercado é preciso viver numa roda-viva, passar a perna em todo mundo e ser ganancioso.”
Exemplos 04 e 05:
Se para os herdeiros homens desatar os laços que os mantêm ligados à família é difícil, para as mulheres os nós são ainda mais apertados. Até hoje, é comum ouvir histórias sobre como elas são alijadas dos processos sucessórios. Jovens herdeiros ainda dizem que, se tiverem filhas, serão suas princesas – sem jamais pôr as mãos manicuradas na massa. O mais comum é aceitar esses mimos. “Tenho muitas, mas muitas amigas que me chamam para ir ao shopping ou à academia às 2 da tarde”, diz Raquel Mattar, 22 anos de idade, herdeira da Localiza e sócia da grife que leva seu nome. “Não tenho a menor inveja de ficar à toa, porque acho fundamental deixar um legado.”
Autora do blog Las Mimas, com 40 mil seguidoras, e amante da moda desde menina, Raquel abriu sua grife há dois anos. “Meu pai não gostou muito da ideia, não”, diz. “Acho que ele preferia que eu atuasse num setor em que pudesse ajudar mais ou então que eu tivesse uma profissão mais ‘normal’.” Sem aptidão para gestão, associou-se à amiga Elisa Rabello Carvalho, herdeira do Banco Rural e do Grupo Tratex, que sempre sonhou em dar seu toque na administração de um negócio. “Adorava ver tanta gente entrar com a cara séria nas salas de reunião para se encontrar com minha mãe”, diz Elisa, de 25 anos, referindo-se a Leda Rabello, vice-presidente da Rural Seguradora. Como pertence à quarta geração da família, seria praticamente impossível entrar na empresa fundada por seu bisavô. “É muita confusão, muita gente”, diz ela. “Meus pais têm condições de me sustentar, mas quero minha independência financeira o mais rápido possível.” Advogada com duas pós-graduações, ela começa a pensar na expansão da grife, que recentemente deixou de ser uma pronta entrega para se voltar a atacadistas.
Como outros herdeiros, Marco Mammana se especializou profundamente para ajudar nos negócios da família: da graduação em administração de empresas ao MBA em hotelaria e ao mestrado em ciência e economia do café, na Itália, ele sempre se preocupou em como poderia melhorar o desempenho da Casa do Pão de Queijo e da empresa de café Italian Coffee. Durante a passagem por Trieste, no entanto, foi fisgado por uma concorrente. Aos 28 anos, é representante no Brasil do Gruppo Cimbali, fabricante de máquinas de café.
Apesar de gostar de falar dos negócios e de suas metas, Mammana se empolga mesmo quando fala de objetivos que vão além do dinheiro – como sustentabilidade, meio ambiente e responsabilidade social. “Esse é meu verdadeiro empreendimento”, diz. A “parte mais legal” dos investimentos da família, segundo ele, é a fazenda GreenFarm CO²Free. Nesse projeto, empresas pagam pela prestação de serviços ambientais: em vez de se preocupar em ter uma área com mata primária ou reflorestada de acordo com o bioma local para compensar seu passivo ambiental, elas compram cotas mensais e usam o projeto como marketing, monitorado pelo Google Earth e por câmeras na propriedade, além de poder fazer eventos na fazenda.
Porém, seu projeto mais ambicioso lembra um pouco o das passeatas que lotaram as ruas do país no último mês. Para ele, quem é bem-educado e teve a sorte de nascer numa boa família tem a obrigação de se dedicar a causas sociais e, sobretudo, à política. “Vivemos na cultura da competição, mas os sucessores e herdeiros precisam exercitar o bem comum. Assim que eu chegar a uma equação financeira confortável, vou fazer minha parte e espero que meus amigos, também.”
Ainda na faculdade de administração na Faap, ele e um amigo começaram a pensar em negócios que poderiam trazer ao Brasil. “Queríamos algo que já nos desse o know-how, mas construir uma empresa no Brasil é tão diferente dos EUA que praticamente começamos do zero.” As dificuldades iam da adaptação das saladas ao brasileiro ao relacionamento com os franqueados, passando por gestão de pessoal e impostos. “Sofremos com a sazonalidade no inverno, por exemplo, mas temos conseguido, ano após ano, faturar mais nesse período com novos produtos, como panquecas e sopas”, diz Giansante. “Temos de ser rápidos, pois um dia de queda de faturamento representa muito para os franqueados, já que os pontos nos shoppings estão muito caros.”Outra conclusão a que chegaram é que comer saudável ainda não é prioridade das classes C e D. O desempenho da Salad Creations é melhor em shoppings mais caros e cidades de praia. Por isso está sendo feita uma reestruturação na rede, que vai dos cardápios à troca de algumas franquias. A ideia é também aproveitar melhor o dia de maior faturamento, as segundas, o dia internacional do regime. Para o futuro, o plano de Giansante é ter uma holding que junte empreendimentos ligados à qualidade de vida, bem-estar e saúde.
Fonte: Revista Época
Link: http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2013/07/herdeiro-sim-mas-independente.html
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