Na região em torno da avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, reúne os escritórios de alguns dos principais bancos estrangeiros do país. HSBC, Credit Suisse, Deutsche Bank, Goldman Sachs e JP Morgan são algumas das instituições localizadas ali.
Logo depois da crise de 2008, os executivos dessas firmas tentavam, a todo custo, convencer a matriz a continuar investindo no país. O cenário era sombrio lá fora, mas a economia brasileira continuava crescendo, e os bons resultados locais, diziam esses executivos, poderiam ajudar a compensar o desempenho ruim da matriz.
Passados alguns anos do estouro da crise, o ambiente externo melhorou. Os bancos que receberam socorro de governos pagaram o que deviam e voltaram a darlucro. Mas o cruel, para a turma da Faria Lima, é que o pêndulo dos negócios também oscilou no Brasil — do bom para o ruim. Enquanto os resultados globais melhoram, nunca foi tão difícil ganhar dinheiro aqui.
O lucro líquido somado dos 61 bancos estrangeiros que atuam no país foi de 5 bilhões de reais em 12 meses até setembro — o mais baixo dos últimos oito anos. Em 2012, o lucro havia sido 30% maior, de acordo com um levantamento feito, a pedido de EXAME, pela consultoria Austin e pelo Instituto Assaf.
O banco HSBC teve prejuízo de 196 milhões de reais no terceiro trimestre de 2013, seu primeiro resultado negativo desde que começou a atuar no país, em 1997. Nos últimos 12 meses, teve lucro de 586 milhões de reais, 51% menos do que em 2012.
A rentabilidade de Citi e Santander gira em torno de 10%, metade do retorno médio de 20% de concorrentes como Bradesco, Itaú e Banco do Brasil. E os bancos brasileiros lucram cada vez mais.
Apenas o lucro trimestral do Itaú, de julho a setembro de 2013, foi de 4 bilhões de reais, um recorde para o período e um número que, sozinho, representa 80% do resultado anual somado das instituições estrangeiras no país.
O que está acontecendo? Em primeiro lugar, é importante ressaltar que os bancos estrangeiros não vivem uma crise — longe disso. Eles são lucrativos e têm uma margem de lucro superior a 8%, patamar considerado saudável lá fora. O problema é que, para o mercado brasileiro — com sua taxa de juro de 10% ao ano —, essa rentabilidade poderia ser muito maior.
Quando comparados aos brasileiros, eles têm um desempenho inferior. A rentabilidade média de Banco do Brasil, Itaú e Bradesco é de 20% ao ano. Há algo de errado com a estratégia desses bancos para o Brasil? Somos um país, de alguma forma, hostil à atuação dos bancos estrangeiros? A resposta à última pergunta é um sonoro não. Já à anterior é sim.
“Não há barreiras à entrada de bancos internacionais. Mas as instituições nacionais se armaram para competir ao longo dos anos, e isso torna o ambiente cruel para quem vem de fora”, diz Sergio Biagini, diretor de serviços financeiros da consultoria Deloitte.
Em menos de dois anos, sete bancos estrangeiros trocaram de presidente no Brasil e quase todos estão mudando de estratégia para tentar se tornar mais rentáveis por aqui.
No varejo bancário, escala é fundamental para reduzir custos e tornar a operação mais eficiente — e os grandes bancos internacionais são menores do que seus concorrentes locais. Segundo a consultoria A.T. Kearney, as despesas administrativas consomem 44% das receitas do Bradesco — no Santander, a taxa é de 50%.
O HSBC tem uma média de 26 funcionários por agência, ante 19 no Itaú — e cada funcionário do banco britânico gera metade da receita de um funcionário do Banco do Brasil. Sem tamanho para competir de igual para igual com os brasileiros, Citi e HSBC já reduziram sua ambição.
Em maio, o Citi vendeu ao Itaú suas subsidiárias que ofereciam empréstimos individuais e cartões de crédito. O novo presidente, Hélio Magalhães, que assumiu há um ano, declarou que as prioridades, daqui para a frente, serão a alta renda e os financiamentos a empresas.
O HSBC também passou a concentrar esforços em clientes com renda acima de 4 000 reais e descartou oferecer empréstimos para quem não é cliente.
Outro problema, segundo executivos do setor, é que os estrangeiros costumam demorar mais do que os brasileiros para decidir o que fazer e colocar sua estratégia em prática no país — e o tempo aumentou depois da crise de 2008, já que as matrizes passaram a olhar qualquer mudança com lupa.
Ou chegam tarde demais a mercados lucrativos — e aí perdem o melhor da festa — ou demoram a sair de segmentos que se mostram piores do que o previsto.
Analistas atribuem a queda do lucro do Santander nos últimos dois anos à entrada tardia em segmentos como o de financiamento de veículos, o que fez com que só conseguisse emprestar dinheiro para gente que não tinha passado no crivo dos bancos que chegaram antes. Com isso, a inadimplência subiu (Citi, HSBC e Santander não deram entrevista).
Disputa de nichos
Mesmo com um ambiente mais difícil, o Brasil segue sendo um mercado estratégico para qualquer banco com um mínimo de ambição global. O número de instituições internacionais no país aumentou de 56 para 64 em oito anos, enquanto o total de brasileiras caiu, segundo o Banco Central.
Em 2013, o China Construction Bank, quinto maior banco do mundo em valor de mercado, comprou o BicBanco. O Goldman Sachs anunciou um aporte de 250 milhões de reais na subsidiária brasileira recentemente. De forma geral, esses bancos acreditam que vão conseguir ganhar dinheiro atuando em nichos como financiamento a empresas e crédito ao consumo.
O problema é que a vida de quem atua em nichos não tem sido fácil — e aqui o mercado não distingue nacionalidades. Bancos médios brasileiros têm tido maus resultados seguidos, pressionados por custos de captação crescentes, inadimplência alta e uma brutal concorrência com os grandes.
Os estrangeiros que seguiram essa estratégia também têm penado. O francês Société Générale está há sete anos no vermelho, desde que comprou o banco Cacique para entrar no mercado de crédito à baixa renda. Em 2013, decidiu se concentrar em crédito consignado e financiamento de bens e sair de segmentos de maior risco, como cartão de crédito, porque a inadimplência aumentou.
O coreano KDB, especializado em financiar companhias coreanas presentes no Brasil, começou a dar crédito também para empresas brasileiras de médio porte. O resultado foi um índice de inadimplência muito acima do esperado. “Desistimos”, diz Yoon Jin Choi, diretor do KDB do Brasil.
O português Banif, que tem prejuízo há dois anos, decidiu colocar a subsidiária brasileira à venda. Até os bancos de investimento estrangeiros — instituições especializadas em fazer ofertas de ações, emissões de títulos de dívida e assessorar fusões e aquisições — perderam espaço no país. Até 2006, recebiam 80% das comissões desse mercado; hoje, a fatia está em 50%.
É natural esperar que haja uma depuração no mercado nos próximos anos — mais ou menos como está ocorrendo com os bancos de médio porte. Os menos eficientes estão sendo comprados por instituições maiores. Além do Banif, o Royal Bank of Canada está vendendo sua operação brasileira, caminho feito pelo alemão WestLB.
Os mais fortes — e mais globais — certamente ficarão. “Mesmo com todas as dificuldades, não dá para ficar fora do Brasil. Só é preciso achar um jeito de competir aqui”, diz o presidente de um banco europeu no país. Vida dura, em suma, para a turma da Faria Lima.
Fonte: Revista Exame
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