No dia 11 de setembro passado, a agência de notícias Reuters perdeu alguns funcionários no atentado ao World Trade Center, nos Estados Unidos. Um dos executivos da empresa, que tem escritório em Nova York, estava trabalhando em outro estado quando foi informado que um de seus subordinados havia morrido. Ele lembrou sem dificuldade o nome do profissional e os trabalhos que tinha realizado, mas, curiosamente, não conseguiu se recordar de seu rosto.
O executivo ficou consternado ao se dar conta do absurdo da situação – afinal, tratava-se de uma pessoa com quem convivia. Por isso, sua primeira providência quando voltou ao escritório foi dedicar parte do tempo a uma conversa cara a cara com os outros funcionários. Fez isso para ter certeza de que não iria mais esquecer a fisionomia de nenhum deles. Essa história faz parte de uma das palestras do americano Robert Pasick, psicólogo organizacional e professor da Escola de Negócios da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e é um triste retrato de como anda a relação entre chefes e subordinados em pleno século 21. “Não que esse executivo seja um mau chefe, mas é fundamental que um líder se preocupe de verdade com sua equipe”, diz Pasick.
Incompetente no quê?
Na maioria das vezes, quando alguém diz que “fulano é incompetente” está se referindo às habilidades técnicas daquela pessoa. Acontece que saber fazer bem o trabalho é apenas uma das muitas competências que se exigem de um profissional hoje em dia, ainda mais de quem está no comando. No fim do ano passado, a consultoria PricewaterhouseCoopers fez um estudo com 12 empresas do porte da Alcoa, Algar, Natura e BankBoston sobre as dez qualidades mais valorizadas em um executivo que ocupa posto-chave. Entraram na lista pensamento estratégico, criatividade e inovação, e gestão de projetos e de mudanças. Liderança, trabalho em equipe e gestão de pessoas também fizeram parte do pacote – e é exatamente nessas competências que os chefes costumam escorregar.
“Tenho a impressão de que as empresas se preocupam apenas com a excelência técnica de seus líderes e não os preparam para se relacionar com as pessoas”, diz a médica do trabalho Margarida Barreto. Outro estudo, feito pela consultoria KPMG no começo deste ano, chegou à seguinte conclusão: mais da metade dos 100 profissionais pesquisados deixou seu emprego por problemas de relacionamento com os superiores. “Quando o assunto é manter o funcionário na empresa, um bom chefe vale mais do que um salário compensador”, afirma Pasick.
Poderosos e imaturos
Sempre houve chefes incompetentes. Talvez eles tenham aumentado em número porque a guerra por talentos criou um problema muito sério nas empresas: na tentativa de reter seus funcionários mais competentes, muitas começaram a acelerar as promoções. “O resultado é que vários profissionais despreparados chegaram ao poder”, diz a consultora Irene Azevedo, da KPMG. O conceito de empregabilidade também deve ser levado em conta para analisar o desempenho de quem está no topo: é muito positivo que cada um se julgue responsável pela própria carreira, mas existem muitos profissionais que são promovidos e ficam à mercê da própria sorte, sem nenhum tipo de apoio da empresa.
“É como se o simples fato de virar chefe tornasse a pessoa apta a exercer o cargo”, diz a consultora Maria Aparecida Rhein Schirato, da Rhein Schirato Consultores, e autora do livro O Feitiço das Organizações – Sistemas Imaginários (Editora Atlas). Além disso, os chefes costumam ter responsabilidades demais e autonomia de menos acabando por ficar engessados. Eles – principalmente os gerentes – vivem um papel ambíguo. “Têm de defender os interesses do dono da empresa, mas são empregados como qualquer outro funcionário”, observa Maria Aparecida.
Eis o cenário ideal para o surgimento dos torturadores psicológicos, aqueles chefes que tratam seus subordinados como inferiores. “Esses maus líderes, cada um no seu patamar da pirâmide organizacional, se valem do antigo bordão ‘eu mando, você obedece’ e aniquilam a auto-estima das pessoas”, diz Margarida. De 1996 a 2000, ela fez um levantamento sobre os casos de humilhação no trabalho e chegou a uma triste conclusão: o assédio moral é uma realidade nas empresas brasileiras (para saber mais sobre o assunto, acesse o site www.assediomoral.org).
Uma das muitas pérolas corporativas que a médica coleciona é o e-mail que o gerente regional de um conhecido banco brasileiro mandou a outros 19 gerentes-gerais, seus subordinados: “Basta! Quem não entregar a lição de casa não vai passar de ano… Se tivermos outro fracasso neste mês, os culpados serão vocês, que não souberam levar seus subordinados a realizar as metas…” Margarida conta também o caso do gerente de uma companhia aérea que tem o hábito de subir na mesa e chamar a equipe de “cambada de incompetentes” e o de empresas que demitem seus funcionários por telegrama ou em reuniões coletivas.
Donos da verdade
Errar é humano e líderes também podem cometer erros, certo? Certíssimo, mas muitos deles erram, sabem disso e mesmo assim se recusam a dar o braço a torcer, com medo de perder a autoridade sobre os subordinados. “O que eles perdem é o respeito da equipe. As pessoas sabem quando estão sendo enganadas”, diz Irene, da KPMG. Se você quer sinceridade dos seus funcionários, deve dar o mesmo a eles. Discurso e ação têm de ser rigorosamente iguais. Senão, pode dizer adeus à confiança da equipe.
Nada de feedback
Deixar para dizer tudo depois é um pecado mortal porque torna a comunicação truncada e afeta o moral e a produção da equipe. As coisas devem ser ditas na hora – sejam elas boas ou ruins. “Se o comentário não for feito logo depois do ocorrido, não surte o efeito desejado”, afirma Maria Aparecida. Você deve elogiar ou chamar a atenção de seus subordinados quando os fatos ainda estão frescos na memória e na emoção deles. Só não vale fazer comentários atravessados, que humilhem o funcionário. Se não gostar de alguma coisa, chame-o para conversar a sós, em tom firme, mas sem deixar a delicadeza de lado.
Supervisores e nada mais
Muitos gestores agem como inspetores de qualidade, ou seja, só se manifestam depois que o trabalho está pronto, quando não há mais nada a fazer. O correto é acompanhar o processo, interferir e dar palpites enquanto as tarefas ainda estão sendo realizadas – afinal, estamos falando de um time. “O líder deve coordenar o trabalho e não apenas supervisioná-lo, como se estivesse à parte do processo”, diz Maria Aparecida.
Indispensáveis e insubstituíveis
Grande parte dos gestores não acredita que formar pessoas faça parte de suas atribuições, imaginando que, assim, vai garantir sua cadeira de chefe. “Eles confundem formar com adestrar”, diz o consultor Pedro Mandelli no livro Muito Além da Hierarquia (Editora Gente). E formar pessoas dá trabalho, principalmente se a equipe foi treinada apenas para executar tarefas. O pior é que essa história de dar o peixe em vez de ensinar a pescar acaba se propagando para todos os níveis da hierarquia e deixa em evidência outra falha muito comum nas empresas: elas geralmente não preparam sucessores para o alto comando. Há um ditado perfeito para mostrar os riscos de agir assim: “Não seja insubstituível. Quem não pode ser substituído não pode ser promovido”. Se até Jack Welch, o ex-todo-poderoso da GE, preparou um sucessor, por que você não pode fazer o mesmo?
Motivação zero
Chefes que só estão preocupados com a competência técnica da equipe deparam com um problema sério: a falta de entusiasmo do grupo. Também pudera! Como você quer envolvimento e criatividade se está sempre pedindo às pessoas que se limitem a cumprir suas ordens? É seu papel fazer os funcionários se sentir parte fundamental do processo. Caso contrário, prepare-se para viver cercado por um bando de alienados. “Chefes que privatizam o sucesso e socializam os fracassos têm um time desanimado”, comenta Irene, da KPMG.
Toma lá, dá cá
Vânia Ferro, presidente da 3Com, diz que não costuma conversar com a equipe logo depois de uma reunião com seus próprios chefes, principalmente se a pauta do encontro foi a definição de metas e estratégias. Vânia prefere refletir um pouco antes de falar com seus funcionários. Assim, evita passar tensão ao grupo. Vânia é um exemplo a ser copiado! “Um bom chefe sempre se preocupa em filtrar as informações de seus superiores”, diz Irene. Considerando que, exceto o dono da empresa, todos têm um superior e alguém para chefiar, já pensou se você simplesmente se limitar a repassar as broncas que recebe? Trabalhar vira um verdadeiro inferno e, com o tempo, pode ter certeza de que sua produção e a da equipe vão ficar comprometidas. O segredo é aprender a falar a língua dos superiores e a dos subordinados.
Alguns psicanalistas vão buscar na infância, na relação com os pais ou com quem assumiu esse papel, a explicação para a maneira como um profissional lida com a autoridade – seja na posição de chefe, seja na de subordinado. No livro The Practical Coach – Management Skills for Everyday Life (Editora Prentice Hall), Paula Caproni cita o trabalho de William Kahn e Kathy Kram, dois pesquisadores da Universidade de Boston, nos Estados Unidos. Eles descreveram três comportamentos básicos que as pessoas têm em relação ao poder:
interdependente – aparece em indivíduos que foram criados por pais que, desde cedo, se preocupavam com suas necessidades. Para esse profissional, a autoridade é boa – até prova em contrário. Eles confiam em si mesmos e nos outros. Líderes assim costumam ter um ótimo relacionamento com seus subordinados. É comum ouvir deles as seguintes frases: “Não se preocupem, estamos juntos nessa” e “o que vocês acham que podemos fazer para ajudarmos uns aos outros?”
dependente – pais que alternam períodos de carinho com outros de indiferença criam insegurança nos filhos, que ficam sem saber quando podem ou não contar com eles. Ao se tornar chefes, essas pessoas terão a convicção de que devem cuidar da equipe e, com isso, provavelmente manterão seus funcionários sempre dependentes. Caso sejam subordinados, sua marca registrada será a submissão. São daqueles que acham que o chefe está sempre certo.
contradependente – esse comportamento é típico de pessoas que tiveram pais física ou psicologicamente ausentes na infância. Essas pessoas têm uma alta dose de autoconfiança e uma descrença total no mundo que as cerca. Para elas, o chefe é absolutamente dispensável. “Quando estão no comando, não se comprometem com seus subordinados e não dão a eles nenhum apoio”, diz.
Para corrigir padrões negativos de comportamento, encare a convivência entre chefe e subordinado como a relação entre dois seres falíveis. “Quanto mais um profissional sobe na hierarquia, mais dependente se torna dos outros”, afirma. Ou seja, você não é ninguém sem sua equipe e eles precisam do seu apoio para crescer profissionalmente. Como diz Mandelli: “É preciso ser um gestor além da hierarquia”. Então, estamos conversados?
Fonte: Exame
Link: http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/manual-do-chefe-incompetente-m0040523
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