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A pandemia implicou mudanças no cotidiano das pessoas das mais variadas formas e, no mundo do trabalho, não foi diferente. Se antes, as empresas poderiam se dar ao luxo de não se preocupar tanto com o sentimento dos seus funcionários em relação às condições de trabalho, apostando nas centenas de trabalhadores desempregados, o cenário não é mais o mesmo, ao menos nos Estados Unidos.
Desde o início da recuperação pós-pandemia, o país presenciou um êxodo maciço de trabalhadores do mercado. A partir de abril, quando foi registrado o primeiro pico de demissões, cerca de quatro milhões de americanos por mês decidiram deixar o mercado de trabalho ativo por conta própria.
E em muitos casos a renúncia ocorre sem a garantia de um outro emprego ou mesmo a intenção de procurar um.
E mesmo o fim do pagamento de auxílios pelo governo não mudou o quadro, o que intriga economistas e autoridades públicas.
O fenômeno já ganhou até nome e verbete no Wikipédia. Foi denominado “The Great Resignation” (A Grande Renúncia, em tradução livre), provavelmente, uma alusão às outras crises enfrentadas pela economia americana, a mais famosa delas ocorrida em 1929, conhecida como a Grande Depressão.
Segundo o Escritório de Estatísticas do Trabalho do país, o número de americanos que deixou os seus postos em setembro, último dado disponível, foi de 4,4 milhões, montante superior aos 4,3 milhões contabilizados em agosto.
No fim de setembro, havia 10,4 milhões de vagas ociosas nos Estados Unidos, ligeira queda em relação a agosto, mas um número ainda alto para os padrões americanos. A taxa de desemprego no país está em 4,6%.
Incerteza no trabalho
Muitos analistas e empresários apostavam que o fim dos programas de auxílio pagos pelo governo para arrefecer os efeitos da pandemia, e que foram encerrados no início de setembro, poderia fazer com que as pessoas voltassem a procurar emprego, mas não é o que aconteceu até o momento.
Quem acompanha o fenômeno de perto destaca outros pontos que podem estar levando os americanos a repensar sua relação com o trabalho. Isso em um país conhecido pela valorização do desempenho profissional como uma das prioridades na vida.
Parte dos abandonos neste ano ocorre devido à insatisfação. Durante a pandemia, os empregados descontentes tinham mais dificuldade para abandonar os seus empregos em um ambiente marcado pela incerteza e com as economias sofrendo os efeitos da Covid-19.
Com o avanço da vacinação nos EUA, esse montante foi se diluindo e mais e mais americanos optaram por largar os seus postos.
Nova forma de se relacionar com o trabalho
E o coronavírus ainda afetou o modo de se trabalhar de muitas outras formas. Com a adoção do trabalho remoto, os funcionários foram obrigados a passar mais tempo em casa com parentes, filhos e cônjuges, o que lhes permitiu repensar a forma como se relacionavam com seus ofícios e com as pessoas ao redor
O professor da universidade de Texas, Anthony Klotz, que cunhou o termo “A Grande Renúncia”, associou, em entrevista à agência Bloomberg, a saída dos trabalhadores de seus postos às chamadas “epifanias pandêmicas”.
A expressão se refere às reflexões a respeito do uso do tempo, sobre a família, os projetos de vida – e até sobre a morte – que ocorreram durante a pandemia.
E como nem tudo são flores, a carga de trabalho também aumentou. O horário não era mais aquele dos tempos do escritório, mas passou a consumir boa parte do dia dos indivíduos. Se você trabalhou ou ainda está em regime remoto, sabe bem do que se está falando.
Com isso, muitos desses trabalhadores podem simplesmente ter chegado a um ponto de ruptura após meses e meses de uma carga laboral mais alta e outras pressões, levando-os a repensar seus objetivos de trabalho e de vida.
Em muitos casos os empregos exigiam um esforço psicológico, às vezes até físico, que esses empregados não estavam mais dispostos a pagar.
Tudo isso pode ter feito as pessoas virarem as costas para o horário comercial dos escritórios. E isso ocorreu, ao menos nos EUA, especialmente naqueles setores que foram mais demandados pela pandemia.
Rotatividade maior
De acordo com um estudo recente publicado na Havard Business Review,envolvendo a análise de nove milhões de registros profissionais, os trabalhadores com idade entre 30 e 45 anos representam mais de 20% daqueles que deixaram o mercado de trabalho americano entre 2020 e 2021.
Segundo o estudo, a mudança para o trabalho remoto pode ter levado aos empregadores a sentir que contratar pessoas menos experientes seria mais arriscado em um momento em que os novos funcionários não teriam o benefício do treinamento e orientações presenciais.
Esse cenário criaria uma maior demanda por funcionários em meio de carreira, que teriam maior poder de barganha e facilidade na obtenção de novos cargos.
Os setores mais afetados, segundo o relatório, foram a saúde, com salto de 3,6% das demissões, e a tecnologia, com alta de 4,5%.
O Índice de Tendências de Trabalho 2021, divulgado pela Microsoft em março, destacou que mais de 40% da força de trabalho global está considerando deixar seus empregos este ano.
Na mesma linha, uma pesquisa feita pela consultoria PwC, no início de agosto, com 752 executivos dos EUA mostrou que 88% deles identificaram maior rotatividade do que o normal nas empresas que dirigem.
Dessa forma, no centro dessa nova fase do mercado de trabalho, que definitivamente não será o mesmo no pós-pandemia – parece ocorrer nos EUA o que os economistas chamam de incompatibilidades entre o que os empregadores desejam e o que os funcionários almejam.
Regras anteriores não funcionam mais
As regras que eram jogadas no período anterior à pandemia parecem não funcionar mais, ao menos neste primeiro momento.
Se antes, qualquer oferta de emprego poderia ser aceita, agora, a hesitação ganha espaço, com maior cobrança de responsabilidade das empresas, em termos de segurança do trabalho, e do Estado, por meio de políticas públicas de proteção ao trabalhador.
Vale lembrar que esse movimento de abandono dos postos ocorre em meio a uma maior mobilização sindical que atravessa dos EUA e ganhou força também com o advento da pandemia.
“Acho que estamos entrando em um período em que as empresas estão tentando descobrir: ‘Quem somos nós neste novo mundo do trabalho? Que tipo de programação queremos dar aos nossos funcionários?’. Isso é apenas uma taxa de renúncia permanentemente elevada? Ou é um ponto de inflexão, e voltamos ao normal? Acho que muito disso vai depender do que aprendermos sobre quem está parando, por que está parando e como as empresas respondem”, disse Klotz em entrevista ao site Business Insider, em outubro.
Agora, resta saber se o fenômeno da “Grande renúncia” veio para ficar e se a pandemia serviu para impulsionar as demandas de um trabalhador que busca maior equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho.
O que é certo é que a pandemia não acabou, tampouco seu impacto no mundo do trabalho.
Fonte: Portal IG
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