Todo mundo sabe das possíveis cobranças feitas à saúde de quem fuma. Mas há ainda a conta econômica a ser paga. Fumar um maço por dia, dos cigarros mais baratos do Brasil, custa hoje R$ 1.277,50 em um ano. Para os cofres públicos, o rombo é de ao menos R$ 21 bilhões anuais com o tratamento de doenças causadas pelo tabagismo.
A primeira conta, a da mordida na carteira do consumidor, pode ser feita a partir de lei assinada pela presidente Dilma Rousseff em dezembro de 2011. Com ela, instituiu-se um preço mínimo para o maço vendido no Brasil. Em 2012, tinha de custar ao menos R$ 3. Até 2015, com o acréscimo de R$ 0,50 por ano, será alcançado o piso definitivo de R$ 4,50.
Com esses números em mãos, podemos fazer outros cálculos. Se alguém de 18 anos começou a consumir um maço por dia dos cigarros mais baratos vendidos em 2012, por exemplo, gastará em um ano R$ 1.095, o equivalente a um notebook da Samsung. Em 7 anos, o valor chega a R$ 10.402,50, suficientes para passar 10 dias na Disney. E em 40 anos de fumo, seriam gastos R$ 53.650, o preço de uma moto Harley-Davidson do modelo Fat Boy – aquela usada por Arnold Schwarzenegger no filme O Exterminador do Futuro.
Finalmente, depois de 50 anos, um brasileiro que começou a fumar em 1.º de dezembro de 2012 terá gasto algo na casa de um Golf 2014 (R$ 64.600). Mas isso é improvável. Mantida a atual expectativa de vida no País, de 71 anos, esse indivíduo morreria antes disso. Em média, um tabagista morre 10 anos antes que um não fumante, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA).
É cada vez mais caro fumar. O preço dos cigarros tem subido bem mais que o dos outros itens de consumo no Brasil. Em 12 meses até outubro, o IPCA, medidor oficial da inflação, subiu 5,84%. O fumo, por sua vez, ficou 16,21% mais caro no período. E, como a Souza Cruz, maior produtora de cigarros do Brasil, aumentou em 16% seus preços no início de novembro, o impacto será grande nos próximos índices a serem divulgados. A alta dos cigarros deve fazer o IPCA subir entre 0,03 e 0,06 ponto porcentual.
A explicação para o estouro de preços está na política do governo brasileiro – tática também adotada por vários outros países – contra o fumo: afastar potenciais consumidores de cigarros pelo ataque ao bolso. No entanto, a medida não passa pelo aumento da carga tributária, como muitos acreditam – diz Marcelo Fisch, auditor fiscal da Receita Federal. É elevando o custo mínimo dos maços, sem pesar na carga tributária, que se pretende repelir o fumante em potencial.
Atualmente, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para o cigarro é de 39% sobre o preço mínimo no varejo, de R$ 3,50. Em 2015, a taxa cairá ligeiramente, para 38% sobre o piso de R$ 4,50. Mas, apesar de a carga tributária ficar porcentualmente menor, a arrecadação final será maior. A cada vez que um maço de cigarros dos mais baratos é vendido nos dias de hoje, R$ 1,37 vão para os cofres do governo. Já em 2015, cada maço comercializado renderá 25% a mais: R$ 1,71.
Há nisso um aspecto econômico que não pode ser ignorado: mesmo com a diminuição do número de fumantes e a decorrente queda na produção de cigarros, de 25% desde 2003, a arrecadação com impostos do cigarro só faz crescer. Há 10 anos, o setor rendeu R$ 2,8 bilhões ao governo. Comparando esse total apenas aos primeiros nove meses de 2013, o salto é 111%, para R$ 5,9 bilhões.
Às empresas, o aumento dos preços sem elevação de impostos também parece interessante. Se a produção diminui, os ganhos não sofrem abalos – pelo contrário. A Souza Cruz, por exemplo, teve lucro líquido de R$ 1,6 bilhão no ano passado, quase o dobro do obtido em 2003. Neste ano até setembro, o valor já está em R$ 1,2 bilhão, 6% superior ao do mesmo período de 2012.
Não se pode fechar os olhos ainda para um efeito colateral da estratégia: o aumento da procura por cigarros falsificados ou em desacordo com as normas de segurança exigidas pelo Ministério da Saúde. Feitos com produtos tão nocivos quanto alcatrão e nicotina, eles são bem mais baratos. Em 2003, maços ilegais no valor de R$ 48,6 milhões em impostos não arrecadados foram destruídos, informa a Receita Federal. Neste ano, só até outubro, o valor subiu 337%, para R$ 212,3 milhões de maços apreendidos e incinerados.
O Brasil com menos fumantes. Nos últimos 20 anos, de acordo com André Szklo, epidemiologista do INCA, o Brasil reduziu em 50% o consumo de tabaco. Ele atribui ao menos metade desse resultado à puxada para cima nos preços. “Quem fuma há anos talvez não deixe o vício por causa do preço, mas o cigarro mais caro dificulta a iniciação dos jovens, ainda sem emprego nem renda”, diz. Os fumantes, que eram 35% dos brasileiros em 1989, são agora 16%, afirma Szklo.
A outra metade do recuo do tabagismo, diz ele, seria graças às campanhas antitabaco em rádio, TV e nos próprios maços de cigarros; e à restrição à publicidade da indústria tabagista nos meios de comunicação.
Caso nada tivesse sido feito pelo governo, 31% da população brasileira ainda seria fumante – mostra estudo publicado por Szklo na revista científica americana PLoS Medicine. Até 2050, mantidas as políticas atuais, essa parcela deve cair para 10%. Pelas contas de Szklo, cerca de 7 milhões de pessoas deixarão de morrer até lá em consequência dos programas vigentes.
Poucos fumam, todos pagam. Embora cálculos indiretos dos impactos à economia do Brasil causados pelo fumo ainda não tenham sido feitos, não é difícil ter ideia da magnitude. “Quem fuma sofre mais facilmente de doenças respiratórias e circulatórias, portanto, esse alguém vai trabalhar e colaborar menos para a produção de bens e serviços (PIB) de um país”, diz Roberto Iglesias, consultor do Banco Mundial.
Diariamente, morrem 350 pessoas no Brasil por causa do cigarro; no mundo, são 10 mil óbitos, de acordo com a Aliança de Controle do Tabagismo (ACT).
“Há pessoas que acreditam que não se pode culpar o cigarro porque há muita gente que fuma e vive muito”, diz Iglesias. “Mas observando populações fumantes e não fumantes, vemos mais mortes prematuras e mais casos de cânceres entre os que fumam.” Ou seja, quem fuma e vive muito é exceção à regra.
Os custos calculados atualmente são os de impacto direto à economia, feitos pelo Instituto Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), em parceira com o Instituto de Efetividade Clínica e Sanitária (IECS), da Argentina. A fatura feita pelos fumantes e paga anualmente por todos os contribuintes do Brasil estaria na casa dos R$ 21 bilhões.
Essa quantia é 256% maior que os impostos sobre os cigarros arrecadados pela Receita neste ano. E corresponde a nada menos que 20,8% dos gastos para Saúde definidos no Orçamento do governo federal para 2013. Com essa dinheirama, ano a ano, o Sistema Único de Saúde (SUS) cuida de doenças do coração, pulmonares, 11 tipos de cânceres e demais enfermidades causadas pelo tabagismo.
De acordo com levantamento da economista Márcia Pinto, da FioCruz, as cardiopatias são as doenças que mais demandam gastos no SUS com fumantes, com 7,2% do total gasto; em seguida, vêm os enfisemas pulmonares, com 6,8%; e variados cânceres, com 5%. A maior parte da carga econômica total recai sobre os homens, responsáveis por 76% do dispêndio público com tratamento de fumantes doentes.
Fonte: O Estadão
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