BEATRIZ IOLANDA

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Inteligência artificial tem sede terrível de energia – mas ainda podemos consertar isso

Como poucas tecnologias na história, a inteligência artificial (IA) se mostra capaz de transformar profundamente não só a economia, mas quase todos os aspectos da vida humana, incluindo valores políticos e culturais. Essa tecnologia poderosa tem, além de riscos potenciais para o nosso futuro, um custo imediato. Em seu estágio atual e em seu modelo mais atraente para os negócios neste momento – capaz de se comunicar por texto simples com qualquer usuário leigo –, IA apresenta alto consumo de energia e de emissões de dióxido de carbono. E o problema cresce rapidamente.

O pesquisador Gustavo Macedo, que estuda inovação no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), vem reunindo números sobre esse impacto ambiental. Tornar funcional o GPT3 (modelo de IA que usa linguagem escrita, no qual se baseou o hoje popular ChatGPT), lançado em 2020, consumiu 1,3 Terawatt hora, mais energia do que 120 casas consumiriam em um ano. Estima-se que preparar a IA de texto do Google (ou “treiná-la”, no jargão do setor), lançada dois anos depois, em 2022, já tenha exigido muito mais eletricidade, cerca de 18,3 Terawatts hora, o equivalente a 15% do consumo total da companhia em um ano.

Trata-se de uma corrida entre gigantes de tecnologia, como Amazon, Google e Microsoft, para chegar ao produto mais avançado — e “mais avançado”, neste momento, significa a IA que exigiu mais processadores, mais poderosos, trabalhando por mais tempo, para ser criada e para funcionar. As estimativas dos gastos de energia se baseiam em quanto de poder de processamentos as companhias precisam para lançar cada nova IA. O GPT3, da OpenAI (ligada à Microsoft), versão 2020, tinha 175 bilhões de “parâmetros”. A versão 2022 do PaLM, modelo em que se baseia a IA do Google, tinha 540 bilhões de “parâmetros”. Quanto mais parâmetros forem usados para treinar uma IA, mais poderosa ela se torna, melhor ela atende às necessidades de qualquer usuário, maior é o seu apelo comercial – e mais energia ela consome.

O problema se expande por várias frentes: IA exige mais eletricidade que outras formas de processamento de dados; está se se tornando mais difundida; e pede a construção ou ampliação de data centers, que por sua vez demandam hardware e equipamentos de refrigeração. “Modelos gigantescos de IA estão sendo integrados a operações do cotidiano, como fazer uma busca na internet, e isso traz ganhos e perdas”, alerta o engenheiro Benjamin Lee, professor de ciência da computação na Universidade da Pensilvânia. “A ascensão da IA levou a um significativo aumento do número de data centers, as instalações dedicadas a abrigar infraestrutura de tecnologia da informação, para processar, gerir e armazenar dados. Companhias como Amazon, Google e Meta vêm construindo mais e mais dessas instalações enormes.” Há no mundo cerca de 8 mil data centers. Estima-se que esse conjunto responda por 1,5% do total de energia consumida no planeta e por uma parcela maior das emissões de carbono, 2%, o que significa que hoje usa, principalmente, energia fóssil. A tendência é de rápido crescimento: essas instalações devem absorver 4% da energia global até 2030. O advento da IA, neste momento, piora o cenário.

Além de energia elétrica, IA consome muita água. Segundo Macedo, um estudo recente, realizado por pesquisadores das Universidades da Califórnia e do Texas, nos Estados Unidos, descobriu que o treinamento do chatGPT consumiu 700 mil litros de água, equivalente ao necessário para produzir cerca de 350 carros. Para cada 20 a 50 perguntas que o ChatGPT responde, ele ‘bebe’ uma garrafinha de 500 ml de água. Multiplique isso por milhões de usuários e chega-se a um impacto global significativo.

Nada disso diminui o poder da IA para ajudar a humanidade a resolver problemas ambientais. Trata-se de uma tecnologia especialmente relevante para melhorar a tomada de decisões, reduzir desperdícios no consumo de energia, no uso de água e na gestão da rede de transportes. Um artigo publicado em 2020 na Nature concluiu que IA tem impacto potencialmente positivo em 93% dos objetivos ambientais e em 79% dos objetivos em geral de desenvolvimento sustentável (ODS) das Nações Unidas para 2030. Os impactos potencialmente negativos foram detectados em 30% dos ODS ambientais e em 35% dos ODS em geral. Outro grupo de pesquisadores, liderados por David Rolnick, da ONG Climate AI e da McGill University, listou ao menos 15 áreas em que IA pode ajudar governos a tomar decisões melhores, de uso do solo a adaptação climática.

Como qualquer tecnologia que consome energia, a IA pode ou não ser sustentável. Isso depende de variáveis como a matriz e a eficiência energéticas. “Por matriz energética devemos entender a origem da energia que alimenta os processadores de IA”, explica Macedo, do IEA-USP. “Se for solar ou hidrelétrica, é mais sustentável do que a partir da queima de carvão ou petróleo. Por eficiência energética, entendemos melhores capacidades de processamento e armazenamento.” É razoável prever essa evolução, a julgar pela miniaturização e ganho de eficiência dos processadores até hoje. “A tendência é que algo semelhante ocorra com os processadores utilizados pelos sistemas de inteligência artificial”, prevê o pesquisador. Macedo alerta para uma terceira variável que vai definir se IA veio para o bem ou para o mal: suas aplicações. “A própria IA pode ser empregada para desenvolver novas formas de produção mais eficazes de energia ou na gestão mais eficiente de sistemas existentes.”

Graças aos pesquisadores preocupados, floresce uma área de estudo já denominada Green AI ou IA Verde. Essa linha de trabalho nasceu de estudos como o do engenheiro sueco Anders S.G. Andrae, hoje na Huawei, que alertou em 2017 para a disparada de consumo de energia dos data centers; e o liderado pela cientista de computação Emma Strubell, da Carnegie Mellon University, que avisou em 2019 que IA baseada em linguagem natural, como o ChatGPT, teria grande impacto ambiental. “Esses modelos são custosos para ‘treinar’ e para desenvolver, tanto financeiramente, devido ao custo de hardware, eletricidade e tempo de processamento na nuvem, como ambientalmente, devido à pegada de carbono”, explicava o artigo. Os especialistas em IA Verde têm várias sugestões para reduzir o impacto ambiental dessa tecnologia. Algumas delas são:

-Dar aos modelos de IA uma estrutura de partida – IA funciona de forma fundamentalmente diferente do cérebro humano. Diante de cada nova situação, uma IA baseada em “força bruta” de processamento pode precisar analisar milhões de opções, mesmo as mais disparatadas, antes de tomar uma decisão (por exemplo, sobre qual é a próxima palavra a escrever ou qual é o animal exibido numa foto). Jon Crowcroft, cientista de computação na Universidade de Cambridge e fundador da empresa de dados iKVA, explica que é possível poupar trabalho. Especialistas em cada área podem ajudar a alimentar as IAs com modelos básicos, que deem à máquina alguma “sensatez” e diminua a necessidade de processamento a cada nova decisão.

-Apostar em computação distribuída – suponha que uma IA precise analisar o consumo de energia em uma região. Ela pode se basear em sensores inteligentes distribuídos pela área e em amostragens (ou seja, equipamentos menores e em menor quantidade), em vez de armazenar dados numa central e monitorar tudo em tempo real (um sistema que exigiria equipamentos maiores e maior consumo de energia). Esse método de uso de IA é chamado de “edge learning” (aprendizado nas bordas), em contraponto ao “machine learning” (aprendizado de máquina), o método de treinamento de IAs mais influente da atualidade. “O futuro da IA é descentralização e podemos ganhar muita eficiência com isso”, afirmou o cientista de computação Seyedali Mirjalili ao site de tecnologia The Chainsaw. “Não precisamos de grandes data centers. Podemos usar energia solar residencial para a análise de dados necessária.”

Configurar para o mínimo impacto – emissões de carbono de IA podem diminuir muito se os responsáveis administrarem melhor quais servidores usar (por localidade) e em quais horários. Assim, podem usar o máximo possível de energia limpa nos lugares e períodos em que ela estiver disponível. Com essa calibragem, as emissões podem cair em 20% nos modelos de IA de grande porte e em até 80% nos modelos mais simples. Amazon, Microsoft e Google oferecem os meios para os clientes fazerem a adequação.

-Data centers verdes – parte da solução não tem a ver só com IA. As centrais de dados gigantes precisam ser projetadas para demandar menos eletricidade e menos água. Uma alternativa “verde” é instalar os data centers em lugares frios.

Soluções mais elaboradas estão a caminho. Há quem aposte num crescente efeito positivo dos algoritmos evolutivos, componentes já em uso em algumas formas de IA, que podem tornar o processamento de dados muito mais eficiente. O engenheiro elétrico Luiz Antonio Celiberto Junior, da Universidade Federal do ABC, em São Paulo, reconhece que hoje a IA consome muita energia, mas é otimista em relação ao futuro. “O gasto ainda é pesado, se comparado a outras atividades, mas a tendência é diminuir. É viável, sim”, diz.