BEATRIZ IOLANDA

EMPREENDEDORISMO É O NOSSO FOCO!

Voto nulo não anula eleição

eleic3a7c3b5esESTÃO A DIVULGAR PELA INTERNET QUE VOTO NULO ANULA ELEIÇÃO E ISTO NÃO É VERDADE. CUIDADO!!!… SEGUE ARTIGO INTERESSANTÍSSIMO SOBRE O ASSUNTO…

Mais de 50% de votos nulos não anula eleição.

Por várias oportunidades, ouvimos falar que se em uma eleição mais de 50%  (cinqüenta por cento) dos votos forem nulos,  o pleito deveria ser repetido, criando oportunidade para o registro de outros  candidatos. Falácia!

Há alguns dias nos deparamos com um movimento organizado nas redes sociais,  em que se prega o voto nulo nas eleições municipais de 2012.

Mas o assunto não é novo. Quem nunca ouviu aquele sujeito que diz todo  orgulhoso “há tantos anos não voto. Não quero  compartilhar dessa roubalheira”; ou mesmo “meu voto não vai eleger esse ladrão”; ou outras frases nesse mesmo sentido.

Não podemos questionar o direito dessa pessoa em anular seu voto, direito, aliás,  salvaguardado constitucionalmente. Basta lembrar que o voto no Brasil não é obrigatório, e nem nunca o foi, sob a  édige da atual Constituição da República – CR. O obrigatório é o comparecimento  às urnas, assim mesmo, para aqueles que preencherem os requisitos do art. 14 da  Carta Magna.

Pois bem! Mas a atitude desse grupo é cidadã? Está de acordo com o princípio  democrático, o primeiro princípio salvaguardado pela CR?

Democracia, palavra de origem Grega (demo = povo; kratos = poder político).  Segundo Gomes (2010, p. 4), as democracias contemporâneas assentam sua  legitimidade na idéia de povo, na soberania popular exercida pelo sufrágio  universal e periódico. E esse exercício é feito em regime de total igualdade, no  sentido de se atribuir aos votos, seja nas eleições,  seja nos plebiscitos ou referendos, o mesmo peso, ou seja, a mesma força,  independente de qualquer distinção que se possa fazer entre os titulares dos  direitos políticos (raça, cor, situação econômica, idade, etc.), nos exatos  termos do artigo 14 da CR. Essa igualdade preconizada pelo regime democrático  encontra-se salvaguardada, inclusive, no artigo 4º da Lei nº. 9.096/95, a Lei  Orgânica dos Partidos Políticos – LOPP[1].

Já a cidadania, estampada no art. 1º, II, da CR, com caráter de cláusula  pétrea, nos termos do art. 60, § 4º da mesma Carta, pode ser conceituada como um  status ligado ao regime político; identifica os detentores de direitos políticos  (GOMES, 2010, p.40)[2]. Assim, nesse contexto, a  cidadania plena somente poderá ser obtida aos 35 (trinta e cinco) anos, quando o  cidadão passará a possuir capacidade eleitoral passiva completa, podendo ser  votado para todos os cargos eletivos, inclusive, os de Presidente,  Vice-Presidente da República, e Senador, nos termos do artigo 14, § 3º, VI, a,  da CR.

No conceito de Gomes (2010, p.3) direitos políticos ou cívicos são as  prerrogativas e os deveres inerentes à cidadania. Englobam o direito de  participar direta ou indiretamente do governo, da organização e do funcionamento  do Estado. Têm guarda constitucional nos artigos 14 a 17 da CR. Ou seja, são os  direitos políticos que possibilitam ao cidadão a participação no direcionamento  dos rumos estatais[3]. Sua aquisição ocorre com o  alistamento eleitoral, e é regulamentado pelos artigos 42 a 51 do Código  Eleitoral – CE.

A mencionada participação no governo ocorrerá não apenas pela participação  nas eleições, mas também pelo plebiscito, pelo referendo, e pela iniciativa  popular, conforme previsão constitucional constante do art. 14, § 1º, I a  III[4].

Diante dessas parcas explanações, podemos concluir que a atitude pretendida  pelo grupo citado no inicio é cidadã? É democrática?

De forma nenhuma! Aliás, a nosso ver, demonstram uma profunda ignorância em  termos do exercício dos direitos garantidos pelo regime democrático, bem como,  pela detenção de direitos políticos.

Isso porque, antes de se revoltar com relação aos candidatos registrados  para determinado cargo, em determinado pleito eleitoral, e fazer campanha  aberta, seja nas redes sociais, seja no corpo a corpo cotidiano, pelo voto nulo, deveríamos, cada um  de nós, nos questionar:

1) Qual tem sido minha participação na vida política do meu Município? Do  meu Estado? Do meu País?

2) Já pensei em me candidatar a algum cargo político?

3) Já lutei pela candidatura de alguém?

4) Sou filiado a algum partido político? Caso positivo, realmente defendo  a ideologia política desse partido, ou estou ligado a ele apenas por interesse  pessoal?

Além das questões acima, de cunho estritamente subjetivo, há ainda os  seguintes questionamentos de ordem prático-política:

5) Compreendo bem a função dos partidos políticos?

6) Entendo os efeitos de um voto nulo ou em branco?

7) Votando dessa forma, estarei buscando o melhor (ou menos pior) para a  sociedade na qual estou inserido?

8) Tenho idéia de quanto custa um processo eleitoral para o  Estado?

Se a resposta for negativa para pelo menos uma dessas quatro últimas  indagações acima, será melhor refletir.

Por várias oportunidades ouvimos falar que se em uma eleição mais de 50%  (cinqüenta por cento) dos votos forem nulos,  o pleito deveria ser repetido, criando oportunidade para o registro de outros  candidatos. Falácia!

É preciso alertar aos leigos em Direito Eleitoral o contexto no qual o  artigo 224 do Código Eleitoral – CE está inserido.

Dispõe tal dispositivo:

Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas  eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais,  julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova  eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

A leitura isolada desse dispositivo pode mesmo levar a idéia de que se numa  eleição, mais de 50% (cinqüenta por cento) dos votos  forem nulos, o pleito deverá ser repetido. Mas, a  ementa do seguinte julgado é bastante didática na busca do esclarecimento da  questão[5]:

ELEIÇÕES 2004. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE  SUFRÁGIO. CONFIGURAÇÃO. RECONHECIMENTO PELO ACÓRDÃO IMPUGNADO. IMPOSSIBILIDADE  DE REEXAME DE PROVA. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. APLICAÇÃO DA SÚMULA 279 DO  STF. JULGAMENTO NA AUSÊNCIA JUSTIFICADA DE MEMBRO DO MP. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.  NULIDADE NÃO CARACTERIZADA. ARTS. 219 DO CE E 249, § 1º, DO CPC. AGRAVOS  REGIMENTAIS PROVIDOS. IMPROVIMENTO DOS RECURSOS ESPECIAIS. […].   3. Para fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral, não se somam aos  votos anulados em  decorrência da prática de captação ilícita de sufrágio, os votos nulos por manifestação  apolítica de eleitores. Levam-se em consideração somente os votos atribuídos ao candidato eleito e condenado em razão  de ofensa ao art. 41-A da Lei nº 9.504/97. (AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO  ESPECIAL ELEITORAL nº 25585, Acórdão de 05/12/2006, Relator(a) Min. ANTONIO  CEZAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de justiça, Data 27/2/2007, Página 142  )

Ou seja: a nulidade a que se refere o artigo 224 do CE na verdade se refere  aos votos que forem eventualmente declarados nulos em processo julgado pela Justiça Eleitoral, e não os  que forem “depositados” nulos pelos eleitores, em  decorrência de manifestação apolítica, de insatisfação. Isto é necessário ficar  claro na mente dos cidadãos.

Nesse mesmo sentido foi a manifestação do mesmo Tribunal Superior Eleitoral  – TSE, no ano de 2010[6]:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREFEITO ITINERANTE.  IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO REPUBLICANO. NULIDADE. VOTOS. ART. 224, CE. DIFERENÇA. VOTOS NULOS. ART. 77, § 2º, CF.  DESPROVIMENTO. […].  2. A nulidade dos votos dados a candidato inelegível não se confunde com os  votos nulos decorrentes de  manifestação apolítica do eleitor, a que se refere o art. 77, § 2º, da CF, e nem  a eles se somam, para fins de novas eleições (art. 224, CE).  3. Agravo  regimental a que se nega provimento. (Agravo Regimental em Recurso  Especial Eleitoral nº 35888, Acórdão de 25/11/2010, Relator(a) Min. MARCELO  HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico,  Tomo 239, Data 15/12/2010, Página 44)

Assim, façamos o alerta, na esperança de que movimentos anti-democráticos e  anti-cidadania como estes percam força, sendo revistos para incentivar maior  participação do eleitorado na escolha de seus representantes, partindo da  filiação partidária, formação de consciência política[7], participação nas convenções partidárias, lançamento de  candidaturas, controle social sobre as campanhas políticas, dentre outras  diversas ações.

E apenas para fins de esclarecimento, respondemos a seguir as questões acima  lançadas, especificamente aquelas de cunho objetivo, a saber:

5) A função dos partidos políticos está especificada na própria LOPP,  conforme dispõe seu artigo 1º:

Art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a  assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema  representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição  Federal.

E em razão disso, não há a possibilidade, no Brasil, de candidaturas  avulsas, ou seja: ninguém se candidata a um cargo político sem que esteja  filiado a um partido político[8].

6) Os efeitos de um voto nulo ou branco são exatamente os mesmos. Certificam o  comparecimento do eleitor às urnas, mas não são contabilizados para efeito de  apuração, e nem mesmo para os fins do tão mal interpretado artigo 224 do Código  Eleitoral.

7) O eleitor que vota nulo ou em branco, não faz  demonstrar as razões de seu protesto, de sua insatisfação. Muito pelo contrário!  Aceita passivamente a escolha dos demais cidadãos, colocando-se numa posição  passiva, o que lhe retira, a nosso ver, toda e qualquer condição de protesto  posterior, haja vista sua postura omissa quando do exercício de sua  cidadania.

8) Os custos das eleições gerais de 2010 foram de aproximadamente R$ 500  milhões de reais[9]. E tal valor refere-se apenas aos  gastos geridos pelo TSE. Não inclui gastos dos candidatos em suas campanhas.

Portanto, e finalizando, cremos que antes de se desenvolver movimentos  anti-cidadania, como o mencionado neste documento, antes de se incentivar a  omissão eleitoral, devemos nos questionar sobre como anda sendo exercido nosso  compromisso com a democracia.

A resposta às nossas insatisfações com a política atual, muito antes de ser  dada nas urnas, deve ser buscada nas raízes do processo eleitoral, com a  participação na vida partidária, em especial através da filiação, do  desenvolvimento de cultura política, e da participação nas convenções.


Notas

[1] Art. 4º Os filiados de um partido político têm  iguais direitos e deveres.

[2] Gomes (2010, p.40) ressalva ser esse o sentido  estrito técnico da cidadania, ressaltando a existência de um contexto mais amplo  nas ciências sociais, em que denota o direito a vida em sentido pleno, abarcando  os direitos fundamentais, civis, políticos e sociais. Dessa forma, e  considerando tal amplitude, todos têm direito à cidadania, independentemente de  estar ou não alistado como eleitor.

[3] Pinto (2008, p. 150) informa que a aquisição da  cidadania é o principal efeito do alistamento. A partir dela o cidadão pode  participar ativamente da condução do destino de seu grupo social, quer votando  para escolha de seus dirigentes, que sendo votado no processo eleitoral para  escolha dos representantes do povo, que serão investidos nas funções  eletivas.

[4] Pinto (2008, p.68) acrescenta como formas de  exercício dos direitos políticos, a crítica aos governantes, pelo voto para escolha dos representantes que exercerão os cargos eletivos, pela  impugnação ao mandato obtido ilicitamente, pela denúncia por crime de  responsabilidade a ser apurado pelo Poder Legislativo ou pela desconstituição  dos atos do Poder Público quando ilegais e prejudiciais ao erário.

[5] Disponível em <www.tse.jus.br>. Acesso em  20/03/2012.

[6] Disponível em <www.tse.jus.br>. Acesso em  20/03/2012.

[7] Aliás, uma das mais importantes funções dos  partidos políticos, conforme art. 44, IV, da LOPP:

Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados:

[…];

IV – na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de  doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por  cento do total recebido.

[8] E sem cumprir as demais condições de  elegibilidade (art. 14, § 3º, CR), e sem incorrer nas causas de inelegibilidade  (art. 14, 4º, 7º, 8º e 9º, CR, e Lei Complementar nº. 64/1990).

[9] Fonte:  http://www.tse.jus.br/arquivos/tse-quadro-demonstrativo-da-ldo2010-periodo-janeiro-a-dezembro-de-2010.

FONTE: http://jus.com.br/revista/texto/21443/mais-de-50-de-votos-nulos-nao-anula-eleicao#ixzz2XVDb6zge