No início dos anos 1960, o escritor Joseph Heller ficou famoso por cunhar o termo “Catch-22” – que denota a existência de um paradoxo em situações complexas -, na obra de nome homônimo. No livro de mais de 450 páginas, o autor conta a história de um esquadrão norte-americano na Segunda Guerra Mundial e as experiências dos militares para manterem sua sanidade.
Em determinado ponto da narrativa, o personagem Doc Daneeka, médico psiquiatra do exército, compartilha a sua visão sobre uma contradição que assola os combatentes: para se afastarem da guerra, eles chegam ao consultório pedindo para serem diagnosticados como loucos, o que é um comportamento totalmente plausível diante das condições. Logo, não podem ser dispensados como insanos.
No mundo dos negócios, há diversas situações “catch-22”, e uma delas é bem conhecida no setor de recursos humanos. “Os jovens sofrem com o paradoxo de precisar de experiência para conseguir um emprego, mas não terem experiência porque nunca foram contratados”, afirma Andre Dorneles, CEO da consultoria de projetos digitais Younner. “Percebemos que, para esse público, existe um muro, uma barreira de entrada para o primeiro emprego.”
Pensando nesse gargalo de contratação, Dorneles e a sócia, Carolina Moraes, criaram a Skill22, uma alusão ao termo criado por Heller. Trata-se de uma plataforma em que candidatos podem gravar vídeo curtos – de até 22 segundos – para se apresentarem às empresas e participarem de processos seletivos. “O LinkedIn, por exemplo, é uma plataforma muito quadrada para os jovens. Percebemos que, para encontrar novos talentos, é preciso seguir outros caminhos”, diz Carolina. “É um novo jeito de recrutar que valoriza as pessoas pelo que elas são, não só pelo que elas já fizeram em termos de experiência profissional e cursos.”
MISTURA DE TIKTOK, LINKEDIN E TINDER
Ao se cadastrar na Skill22, o usuário construirá o seu perfil. Como parte desse processo, a plataforma fará perguntas genéricas – como, por exemplo, qual é o ator preferido da pessoa – para, assim, identificar traços da personalidade do candidato e realizar sugestões de vagas mais assertivas. As respostas devem ser fornecidas por vídeos de até 22 segundos, sem a possibilidade de subir direto da galeria do celular, que ficam armazenados na conta.
Os recrutadores também participam da dinâmica, com a gravação de vídeos curtos. Neles, os profissionais de recursos humanos falam sobre o propósito da empresa ou mostram o ambiente de trabalho. Essas gravações são compartilhadas no perfil da empresa e nas vagas disponibilizadas na plataforma. “Hoje, as pessoas estão escolhendo onde querem trabalhar e precisam conhecer as organizações”, afirma Dorneles. “Esse nivelamento, dos dois lados se apresentarem, traz um jogo mais justo.”
As oportunidades de emprego publicadas pelas empresas ficarão disponíveis em um feed semelhante ao do aplicativo de vídeos curtos TikTok, onde os usuários poderão ver e distribuir curtidas para os postos de trabalho apresentados por ali. “Quando os dois lados dão ‘like’, abre-se um chat entre ambos. Ali eles podem conversar e marcar uma entrevista”, explica o empreendedor. “O Skill22 é uma mistura de TikTok, LinkedIn e Tinder. Tem recursos de cada um deles com o intuito de promover vagas de empresas.”
DE OLHO NA CONCORRÊNCIA
A notícia de que a rede social TikTok lançou um produto semelhante ao Skill22 não amedrontou os sócios da Younner, mas fez com que a consultoria de produtos digitais acelerasse o processo de lançamento da plataforma, que, a princípio, deve ocorrer na primeira semana de agosto deste ano. “O lançamento do TikTok valida a nossa ideia. É muito legal ver que pensamos como uma gigante da tecnologia”, afirma Carolina. No início deste mês, o aplicativo de vídeos chinês anunciou a criação do “TikTok Resumes”, serviço focado para envio de currículos via clipes curtos.
Embora a plataforma esteja prestes a ser lançada nas lojas de aplicativos, o projeto da Skill22 tem mais de quatro anos. “O conceito surgiu em 2017, quando tivemos uma reunião de geração de ideias internamente”, afirma Dorneles. “No mesmo ano, desenhamos a interface e desenvolvemos a plataforma. Em 2018, criamos a nossa primeira versão, um MVP [Mínimo Produto Viável, em português].” Nos últimos anos, o produto passou por validações e refinamentos.
A estratégia da Younner para o Skill22 será de tornar o aplicativo gratuito, tanto para usuários, quanto para recrutadores, pelo menos em um primeiro momento. “Não sabemos quanto vai custar para os clientes. Para a gente, isso não interessa muito agora. Queremos colocar a ferramenta para rodar, ter o retorno dos usuários e dos profissionais de recursos humanos para, depois, no futuro, pensarmos em como monetizar tudo isso”, diz Dorneles.
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